É uma simplificação fácil. Mas diz mais a respeito do escritor ou interlocutor do que sobre o falecido. Gostamos de dizer que as pessoas “lutam” contra o câncer porque combatemos temerosamente a ideia de algum dia contrair a doença. Transformamos o câncer em um de nossos demônios modernos.
Porém, depois de enfrentar um câncer na próstata e seu tratamento – cirurgia, radiação e terapia com hormônios –, as palavras “luta” e “batalha” fazem com que eu me contraia e sinta arrepios.
Às vezes, penso no câncer como uma longa e difícil jornada, uma viagem de J.R.R. Tolkien, uma valsa obscura – mas nunca uma batalha. Como pode ser uma luta se nós, os pacientes, somos o verdadeiro campo de batalha? Nós ficamos no meio, entre os médicos – com suas potenciais ferramentas de cura – e a horda devoradora de células.
Nós nos tornamos uma terra devastada, infestada pela poeira negra do câncer e danificada pelo “fogo-amigo” do tratamento. E a linguagem comum passa bastante longe de explicar essa ardente sensação de vazio.
Como paciente, é difícil articular a seriedade de um sentimento. De uma maneira profunda, somos transportados a nossos seres animais mais primitivos. Desejamos a sobrevivência. Imploramos pelo fim da dor, por pedras de gelo em lábios rachados, pelo toque de uma mão macia.
Ter uma atitude positiva rende bons frutos, acredito eu, mas isso de forma alguma se traduz em “combater” o câncer. O câncer simplesmente é. Você pode negar sua presença em seu corpo, se acovardar ao pensamento ou corajosamente afirmar que irá vencê-lo. Mas o câncer não liga. Você está aqui, o câncer chegou e a doença vai se alimentar até que os médicos a destruam – ou pelo menos a desestimulem.
Há também a questão da bravura. Nós chamamos os pacientes de câncer de “corajosos”, pois a própria palavra câncer faz a maioria de nós tremer de medo. No entanto, não há nada de bravo em aparecer para a cirurgia ou sessões de radioterapia. Uma árvore é corajosa por se manter de pé depois que suas folhas murcham e caem? Bravura indica escolha, e a maioria dos pacientes não tem muita escolha a não ser se submeter ao tratamento.
O que me leva à palavra “vítima”. Eu não me sentia como uma vítima quando descobri que tinha câncer. É claro, me senti sem sorte, triste, nervoso, mas não uma vítima. E não tenho paciência para o culto moderno da vitimologia.
Uma vítima implica um agressor, mas o câncer não tem malícia ou intenção. Algumas células em meu corpo se amotinaram e me tornei um organismo hospedeiro – tudo completamente orgânico e natural.
E o que somos quando o tratamento chega ao fim? Seríamos sobreviventes? Não me sinto muito um deles, no sentido tradicional (ou no do reality show da TV). Não me arrastei de um prédio em chamas ou voltei para casa inteiro depois de uma missão militar no Afeganistão.
Estou simplesmente tentando levar uma vida positiva pós-câncer, grato por meu câncer estágio 3 ter sido colocado de lado, contente porque posso pensar realisticamente sobre meu futuro. Estou tentando completar a metamorfose, voltar de uma frágil casca a mim mesmo novamente.
A frase “radiação de recuperação” já não é mais muito usada, mas, quando um médico disse isso em referência ao meu tratamento, fez com que me sentisse menos humano e mais como um “caso”. Significava que eu precisava de radiação após a cirurgia, pois o câncer era mais agressivo do que o esperado – eu precisava ser “recuperado”.
E ainda me sinto incomodado por esta frase, que escutei muitas vezes: “Bem, pelo menos é um câncer bom”. Essa frase é geralmente usada em casos de câncer considerados altamente tratáveis, como o da próstata e tiróide.
A maioria das pessoas tem boas intenções, mas a ideia de um câncer bom não faz sentido. No máximo, as palavras se quebram futilmente sobre o paciente. Não existem casos bons de câncer, assim como não existem guerras boas, terremotos bons.
Palavras podem ser simplesmente inadequadas. E conforme tropeçamos e caminhamos no sentido de dizer a coisa certa e verdadeira, muitas vezes acabamos com o clichê mais próximo de apoio. Melhor não dizer nada e oferecer sua presença do que desfiar lugares-comuns sem sentido.
Silêncios nos fazem sentir remorso. Porém, quando eu estava no auge da doença, anestesiado por meu tratamento, deleitar-se no silêncio gentil de um amigo, receber e dar um abraço, ser amparado por um sorriso genuíno – tudo isso significava mais que a cura.
Por mais estranho que pareça, embora o câncer tenha ameaçado minha vida, ele também a exaltou, e trouxe consigo uma brilhante e terrível clareza.
Não, o câncer não é uma batalha, uma luta. É apenas vida – a vida elevada a um poder maior.
Por Dana Jennings, do The New York Times